Lugar de Odair José na música do Brasil é discutido em bom documentário que estreia na 27ª edição do Festival do Rio
02/10/2025
(Foto: Reprodução) Odair José em imagem do filme ‘Vou tirar você desse lugar’, documentário dirigido por Dandara Ferreira
Reprodução / Vídeo
♫ OPINIÃO SOBRE DOCUMENTÁRIO MUSICAL
Título: Vou tirar você desse lugar
Direção: Dandara Ferreira
Roteiro: Dandara Ferreira e Cris Lobo
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♬ Em 1977, viciado em cocaína e desgostoso com a má recepção do álbum O filho de José e Maria, espécie de ópera-rock cristã que o levou a ser excomungado pela igreja católica, Odair José pegou o carro e o dirigiu até a ponte Rio-Niterói com a intenção de se jogar nas águas da Baía da Guanabara.
Como se sabe, o cantor e compositor goiano desistiu na última hora de consumar o suicídio. Atualmente com 77 anos, festejados em 16 de agosto, Odair relembra diante das câmeras da cineasta Dandara Ferreira esse episódio que quase o tirou precocemente de cena naquele momento conturbado.
O cantor Odair José fala das suas composições
Uma das atrações da 27ª edição do Festival do Rio, com três sessões programadas entre 6 e 8 de outubro, o documentário Vou tirar você desse lugar (Lira Filmes) conta a história de Odair José de Araújo ao mesmo tempo em que discute a posição do artista na música brasileira.
Tachado de cafona nos anos 1970 e de brega a partir da década de 1980, o cantor começou a ter a obra e o valor redimensionados há 20 anos com a edição do elogiado álbum Vou tirar você desse lugar – Tributo a Odair José (2005). Duas décadas depois, a diretora Dandara Ferreira também recorre ao nome da música de maior sucesso de Odair, Vou tirar você desse lugar (1972), para dar nome ao filme roteirizado por Dandara com Cris Lobo.
Pontuado por números musicais feitos pelo cantor em estúdio para o filme, sob produção de Kassin, o documentário peca por tender a glorificar Odair José sem um mínimo senso crítico e tampouco sem dar espaço a uma voz dissonante no rosário de elogios desferidos por nomes como Assucena (“A voz dele está no imaginário brasileiro. Odair José atravessa o Brasil em estado de profundidade”), Marisa Orth, Otto, Paulo Miklos (“Odair é mais perigoso do que todos os ídolos da MPB porque fala com as massas”) e Zeca Baleiro (“Odair é polêmico por natureza”).
O fio condutor são as entrevistas concedidas por Odair à diretora. Pelos recortes das falas, dá para entrever mágoas pelo rótulo de brega, mas também muito orgulho pelas conquistas da carreira impulsionada em 1970, após dias difíceis no Rio de Janeiro (RJ), para onde o então aspirante a cantor migrou aos 17 anos, vindo da natal Morrinhos (GO).
O filme dedica tempo generoso às vaias dirigidas a Odair no Phono 73, evento da gravadora Philips, quando o cantor dividiu o palco com Caetano Veloso a convite do artista baiano. Fica a impressão de que aquelas vaias estúpidas ainda ecoam na cabeça feita de Odair como sinais de um preconceito talvez nunca de fato superado em toda a dimensão.
A rigor, a história narrada no documentário Vou tirar você desse lugar já tem sido contada nos últimos anos em reportagens sobre a revalorização de Odair e sobre o culto do outrora renegado álbum O filho de José e Maria, mas ainda assim o filme prende a atenção porque a história é ótima.
A propósito, após o fracasso desse disco de 1977. Odair José nunca mais retomou a popularidade do período áureo de 1972-1976. Mas seguiu adiante, fiel aos próprios princípios.
“Eu nunca fiz um disco igual ao outro. Quem repete fórmula não faz arte, faz negócio, e eu não sou um bom negociante”, avalia o artista, alvo da censura nos anos 1970 por conta de músicas em que falava de sexo, pílula anticoncepcional e divórcio com a linguagem simples e direta que caracteriza o cancioneiro do compositor popular (“Faço música para as pessoas e, acima de tudo, faço música para mim. A partir de mim é que vai para os outros”, ressalta).
Hoje Odair José já não oferece perigo, mas permanece como um artista inquieto, personificando a voz de uma pessoa vitoriosa que driblou o desprezo das elites para ocupar lugar de honra na música do Brasil, mesmo que esse lugar ainda seja objeto de discussão, como faz o bom documentário de Dandara Ferreira.